Seres H-umanos

Texto: Amauri Lobo, Adir Sodré e Sol
Fotos: José Medeiros

Estes ensaios, antes de ser pictórios, são antropológicos e filosóficos. No chamado “Centro Velho” de Cuiabá, cerca de 300 passados, o antigo contrasta-se com o contemporâneo, mas o ser humano desta nova realidade está envolto de uma situação densa. Este contexto nos leva a um reflexão fundamental: Quem somos nós, os seres humanos? Para onde estamos indo? Quem é responsável por isso?

Quantas “cuiabás” existem dentro da mesma Cuiabá? Infinitas, por certo. Mas, quando José Medeiros começou seu projeto Cuiabá 300, algumas realidades cuiabanas bem diferenciadas vieram à luz.

Seres H-umanos é uma abordagem crua, porém antropológica, do submundo dos becos tricentenários de nossa Cidade Verde.

José Medeiros nos prova que ninguém está impune. A questão das drogas em nossa sociedade é um grande paradigma. Começando pela indústria farmacêutica, bem além do uso clínico, percebemos que a utilização desregrada dos “medicamentos” é um mal latente. Passando pelo álcool, podemos afirmar que seu uso é incentivado, mesmo que os estragos ao corpo, a influência nos acidentes de trânsito e a tragédia social sejam fatos comprovados. Nem é preciso mais comentar a incongruência da indústria tabagista. Mas, é na questão das drogas ilícitas que a situação se agrava. Se, na legalidade, a sociedade já lava as mãos, imagine na ilegalidade. Um advento recente desta questão é a “epidemia” do crack.

Com certeza, esta droga gera uma doença social. De um lado, os usuários tornam-se rapidamente dependentes e decrépitos em sua saúde e psiquismo. De outro, as forças da justiça ficam reféns da inoperância do sistema e deixam estas pessoas à revelia pelas ruas pois, neste caso, não se trata de um “caso de polícia”. A desintoxicação e a ressocialização destas pessoas desafia a fraca capacidade estatal no chamado setor prisional. A sociedade comum, como estes adictos oferecem pouco perigo, se esquiva da situação virando os rostos ao passarem pelos guetos e, quando no muito, dando moedas de duvidosa caridade. Tendo este contexto pela frente é mais fácil lavar as mãos.

 Contudo, já se sabe, a situação não pode continuar como está. Cabe ao poder público, ao terceiro setor e a todos nós nos posicionarmos e agirmos com relação a esta doença que atinge a todos nós. O fotógrafo fez às vezes de antropólogo urbano e captou um material denso do submundo do crack, o qual nos oferece como forma de reflexão filosófica.

A série oferece amplo material para o debate e a mobilização social contra este mal e a favor do ser humano. Ninguém está impune. Todos nós fazemos parte disso. A prova está lá.

***

Crack
*Adir Sodré

Tem uma pedra no meio da minha alma
Uma luz que queima
Um chamado
A chama do inferno santo

Tem uma pedra no crânio da minha alma
Uma tocha do cão
O diabo luz
O cachimbo da paz infernal

Tem uma pedra no meu coração
Um diamante de Lúcifer

Tem mais um dependente
 dessa pelada do paraíso
Sou mais um crack
Um campeão da copa dos jogadores
que vão fundo nessa competição sem fim

Olimpíadas de pedras de ouro
De urina
Do fundo do inferno a que chamamos Vida
Artifício dos diabos que ganham de Deus

Que num líquido instante, goza
O sumo da fumaça sumiu
Adeus…
É Gol…
De infelicidade geral.
Luto!

*****

SOL

Acabarás de clarear o dia, esses são os meus dias, de dia de todos os dias.
Acabarás de clarear o dia, e como sempre mais não para sempre,
Lá vem a SOL, é a primeira a dar bom dia para o dia, Bom dia, dia!

E conscientemente, inconscientemente ainda sou capaz de ver, bem claramente o chegar, o passar e o findar dos meus dias, de dias.

Trancada no meu barraco, fumando drogas, sem ninguém para me fazer companhia, sem ninguém para me dar bom dia, sem ninguém para dividir o almoço do meio dia.

Nossa, como é triste os meus dias, e são não tivesse as drogas, hein? O que eu faria para vencer esses dias?


Dias que me dão agonia, e no findar do dia, drogada são a solidão, e a depressão, unidas, transforma meus dias em escuridão, e com tudo isso, meu pobre velho coração, que já não aguenta mais não, bate descompassado com uma estranha canção.

Se não tem nexo, o compasso, a letra, rimaria amor com dor, dor de tudo que a vida me mandou, as drogas me tomou, e me roubou, e devido ao meu defeito de caráter no fundo do poço, hoje estou.

Esses são os meus dias, os mais tristes que o destino escreveu, e me deu, sem perguntar se queria eu, e no arquivo da minha vida, esses dias permaneceu, são os dias mais silenciosos que já se deu, porque eu, não tenho ninguém, somente Deus e eu.

Sol

Inscreva-se
Receba as últimas atualizações em seu email