O dom da faca

Texto e fotos: Bruna Obadowski

Os espaços públicos são sempre ótimos locais para se encontrar boas histórias. Basta não ser afoito, respirar mais profundo, acompanhar detalhes e trivialidades que escondem uma riqueza cotidiana. Quando se visitam mercados públicos, é impossível não ficar excitado e sair ligeiramente a experimentar tudo que se vê pela frente, tamanha a multiplicidade de cores e sabores.

A paisagem cromática das frutas e verduras é rompida pelo vermelho-sangue das carnes expostas para venda naqueles corredores sem fim. Aquele cenário aparentemente agressivo ganha outros contornos com a presença feminina.

Fernanda observa a gente chegar, some por uns dez minutos e retorna com uma camisa branca trocada no açougue vizinho. “Já que é pra aparecer, melhor tá limpinha né”. Fernanda é dessas mulheres que se embolam com a carne, que cortam com gosto, e quando deixa o açougue ao final do expediente as roupas estão vermelhas de sangue.

Ela não tem nojo ou frescura, sabe desossar, limpar, fatiar e vender, não a toa, ela é quem coordena todos os rapazes no corte.

A rotina sempre é a mesma, chega ao açougue às 5 da manhã, recebe o gado, participa da desossa e atende os clientes durante todo o dia, “às vezes isso cansa, é muito maçante”.

Açougueira há 7 anos, Fernanda aprendeu com o marido e hoje é quem ensina o oficio do corte aos novos funcionários. “Além de bonita, ela é boa no que faz” afirma Zezinho, seu esposo, confirmado por diversos clientes durante nossa estada no Mercado Municipal, no centro de Cuiabá. Sobre sua habilidade com as facas, Fernanda se garante e, num tom irônico, não deixa passar uma provocação “Se andar na linha, não tem com o que preocupar”.

Marinês, também conhecida como Mazinha, no tradicional Mercado do Porto. Ela é mais uma das muitas mulheres que estão presente no comércio de carne nos mercados populares em Cuiabá, “aqui tem que saber chairar”, diz ela, enquanto amola sua imponente faca para cortar um pedaço de suíno sobre o balcão.

Sua rotina não é muito diferente de Fernanda, Mazinha começa a labuta às cinco da manhã, salvo segunda-feira, que é folga “Folgo porque sou obrigada, porque amo cortar carne e faço por prazer”.

“Tá vendo essa pulseira? Tá vendo esse brinco? Compro tudo de uma mulher que vem aqui todo mês pra vender, eu amo, lá em casa tem um monte e não venho trabalhar sem”.

Mazinha é vaidosa, com a faca e com sua aparência. Não vai trabalhar sem salto, e voltemeia as tatuagens estão a mostra. Suas vestes não passam despercebidos, sempre vibrantes, assim como sua personalidade.

Estar com uma faca na mão a chairar e a cortar é, para ela, sinônimo de vivacidade, mesclando seus o bom humor entre uma faca e outra, inclusive uma de suas preferidas e um tanto excêntrica.

As histórias de Mazinha e Fernanda se cruzam com outras mulheres que ocupam cada vez mais espaço em trabalhos tipificados como masculinos. “Quando era pra pegar carne moída, ou alguma coisa mais fácil os clientes pediam pra mim, quando eles queriam um corte ou uma limpeza falavam com os meninos, achavam que eu não daria conta”. Atualmente a situação tem se invertido, com o posicionamento dessas mulheres na condição de instrutoras, iniciando novatos no dom da faca.

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