Poética da invisibilidade

Texto: Ahmad Jarrah e Bruna Obadowski
Fotos: Ahmad Jarrah

Aquele não era um dia habitual, as portas cerradas encerravam a esperança de conseguir algo para se alimentar “eu como três vez todo dia, mas esqueci que hoje tava tudo fechado”, conta Djeimes, enquanto se lambuza comendo um pedaço de gelo para enganar a fome.

A monotonia da rua foi rompida por ele mesmo, em passo torto, falando sozinho em voz alta, enquanto escutávamos de longe sua aproximação até o inesperado encontro, que se transformou nesta série fotográfica num movimento de documentação da realidade vísivel, invisibilizada socialmente, em uma construção poética, cuja vivência nas/das ruas se manifesta de maneira potente.

“Essa aí deve ter o desenrolo, pra encontrar uma manga madura esta época do ano”, disse Djeimes, rompendo seu monólogo a céu aberto, abrindo uma porta de empatia e intimidade. “Vim do Maranhão andando, pedindo carona, dormindo na rua. Atravessei o nordeste até chegar em Cuiabá. Não tenho lugar pra ficar, ando pra qualquer rumo e fico pela rodoviária”.


Djeimes conta que não tem família, tampouco renda, sobrevive pedindo comida e ajuda para as pessoas na rua, e coletando latas de alumínio e cabos de cobre para vender. Só portava em seus ombros uma barra de cobre de 2,5 metros e uma sacola com uma dúzia de latinhas de alumínio, sem levar qualquer utensílio pessoal.

Por um momento, ele olhava para cima a espera de um pão que cairia, jogada pela janela de um apartamento por uma moradora. O pacote fica preso nos fios, e é resgatado por Djeimes com a vara de cobre, logo devora o pão seco enquanto a moradora gritava, “vai ficar famoso né”, ao perceber Djeimes posando para a câmera.

Suas andanças sempre tem um propósito, sejam longas ou curtas. Naquela hora estava a procura de uma senhora, que cuida de um cachorro, e que sempre lhe dá comida. Mas ela não estava lá, o desencontro o levou a caminhar com destino ao perímetro da rodoviária, onde passa a maior parte do tempo, com a esperança de que no percurso encontrasse algo do que comer.

Quando finalmente consegue um pacote de bolachas e um suco, se esbalda a ponto de derramar sobre o corpo, suas mãos tremiam e seus olhos brilhavam. Aquela seria a imagem de nossa despedida, pois no instante seguinte Djeimes desaparecia como fumaça em meio à escuridão da noite.

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