O desague do Barbado

Texto e fotos: Bruna Obadowski e Ahmad Jarrah

No frenético ritmo que a cidade nos impõe cotidianamente, é pouco provável que as pessoas se dêem conta das transformações promovidas pela interação do homem com a natureza. Essa ação não trouxe os louros do desenvolvimento urbano, sem antes degradar o meio ambiente de forma severa e impactar diretamente a vida da cidade.

De cima da ponte Sérgio Motta, cartão-postal de Cuiabá, de onde parte anualmente a tradicional Corrida de Reis, é pouco perceptível a peleja dos moradores do bairro Praeirinho contra os impactos da ação do homem sobre a natureza. O córrego do Barbado, que compõe a Bacia Hidrográfica de Cuiabá, se transformou em uma rede de esgotos não tratados escoando a céu aberto, cortando a cidade por 9,2 quilômetros de extensão e expondo moradores ao risco de doenças e a insalubridade, até o seu desague no Rio Cuiabá.

Um cardume de curimbatás aproveita o calor da água que chega pelo córrego do barbado para se reunir as margens do rio, onde os pescadores lançam seus anzóis em mais um dia de trabalho. O peixe se alimenta dos dejetos trazidos pelo esgoto até o rio, antes de alimentar as mesas de muitas famílias cuiabanas.

Os impactos para os moradores do entorno é muito maior, não bastasse a exposição ao risco de enchentes, a insalubridade afeta principalmente as crianças, que brincam descalças pelas ruas de terra do bairro Praeirinho, já às margens do rio. Com 18 anos morando à beira do rio, a família Matos já não consegue mais dimensionar os impactos da situação na vida de seus mais de 30 membros. Ao invés de solucionar o problema das famílias, a Prefeitura ordenou a desocupação da região. Alguns moradores conseguiram se beneficiar com moradias, porém mais distantes do centro da cidade, outros resistiram à desocupação e permanecem no local, como a família de Jucélia e Dona Maria.

Elas compartilham com outros moradores o descaso público e testemunham diariamente a contaminação do rio e a falta de saneamento básico na cidade. A prioridade, para eles, é solucionar o problema através da implantação de uma central de tratamento, antes do desague no rio, porém isso ainda está muito distante de ocorrer.

Dona Tereza tem mais de sessenta anos e trabalha como diarista em casas e comércios vizinhos. Limpava o chão de um pequeno buteco, quando o convite para visitar sua casa demonstrou a gravidade do problema, com o abandono dos cidadãos, desamparados de tudo aquilo que lhes garante a lei. Um pedaço de um deteriorado telhado luta para se sustentar e cobrir o único cômodo que ainda a protege da chuva. Está preocupada com uma árvore que ameaça derrubá-lo. Nos espaços, tomados por todo tipo de sucata, dois fogões velhos se rendem a uma pequena fogueira onde ela prepara um cozido. E é assim o cotidiano de muitas famílias que sobrevivem na beira do córrego, nas margens da sociedade.

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