As margens do centro

Texto: Bruna Obadowski
Fotos: Bruna Obadowski e Ahmad Jarrah

É domingo, e as ruas do centro estão desertas. Sentadas em um ponto de ônibus, duas pessoas esperam incansavelmente a condução passar, esta parece demorar horas. Há um tom bucólico no perímetro central da cidade, nada semelhante aos outros dias da semana. Aqui, onde passam milhares de pessoas cotidianamente em seus carros, a pé em busca de um emprego, a pagar uma conta, a fazer uma compra, a encontrar um amigo, a trabalhar… hoje não transita muita gente, uma ou outra pessoa em situação de rua, um ou outro a fazer sua integração, e alguns carros em direção a outros pontos, aparentemente distantes daqui, e é assim o tom de um lugar que hoje é mais comercial que residencial.

Não muito diferente de outros grandes centros urbanos brasileiros, a exemplo Rio de Janeiro e São Paulo, guardadas as proporções, Cuiabá caminha no mesmo sentido no que se refere ao abandono significativo por parte da população de classe média residente nas áreas centrais. Há um direcionamento paulatino nos últimos 20 anos na saída para áreas mais distantes do centro comercial em uma fuga quase que incessante em busca de qualidade de vida, uma vez que este espaço passa a não mais suprir funções residenciais. Essa descentralização implica em um significativo esvaziamento e as consequências, dentre outras, podem ser a falta de segurança, de lazer, e a própria desvalorização dos imóveis residenciais aos quais, muitos deles passam a transfigurar uma condição estrutural puída, pouco ocupados e quase sempre conectados a uma condição social subalterna.

Nos corredores do edifício Fares, localizado na Avenida da Prainha, centro da cidade, o fluxo é constante. São idas e vindas, subidas e descidas de um andar ao outro, e é assim, com as portas abertas que os novos inquilinos reconstroem uma singular dinâmica interna em um edifício que há anos não recebia quase ninguém. Este é mais um dos edifícios atingidos pela descentralização, hoje é habitado somente por famílias estrangeiras vindas do Senegal, são jovens, que saíram de seu país em busca de novas possibilidades e ascensão social. Comercializam pequenos produtos nas ruas centrais de Cuiabá e encontraram no edifício uma opção próxima do trabalho e viável economicamente, pois a desvalorização dos imóveis na região levaram a uma queda na demanda por apartamentos e consequente queda no valor dos aluguéis. Atualmente o valor mensal de aluguel é 500 reais, com todas as despesas de condomínio já inclusas, praticamente metade do valor que já alcançou no passado.

Al Usain, é vendedor ambulante, assim como seu irmão, sua cunhada e boa parte dos senegaleses aos quais compartilha moradia. Eles encontraram uma possibilidade de viver a baixo custo no centro comercial, onde trabalham do nascer ao pôr do sol. Dono de uma história de vida aguerrida, conta a cada pausa seu desejo em ser modelo e é ali, na janela da sala ao fim do dia, que projeta os seus sonhos.

Quem aqui mora, convive constantemente com os prós e contras de se residir no centro comercial em um período que seu fluxo não mais comporta serviços residenciais, tampouco qualquer investimento relacionado ao lazer e ao entretenimento. Dentre os vizinhos dos quatro apartamentos ocupados no edifício, os encontros são diários e as trocas aos fins de semana tornou-se lazer. Vivem como uma grande família, dividem suas vidas, seus trabalhos e seu sustento. Há um sentimento de coletividade e irmandade, que os levam a se fortalecer enquanto agrupamento e resistir em sua árdua rotina na região central.

Nos corredores, os símbolos da cuiabania são perceptíveis. Azulejos característicos, paredes coloridas já corroídas pelo tempo, retratam agora um abandono estrutural pela classe média e a ausência de políticas públicas de assistência social para as pessoas em situação de rua na região central, além do impacto das obras do VLT no entorno, como a Ilha da Banana. Os proprietários não possuem estímulo para reformas e melhorias, uma vez que a desvalorização dos imóveis já causa um grande prejuízo financeiro e retira as perspectivas de qualquer retorno econômico. Suas janelas rasgam o tempo passado em um contraste entre o que ainda se tem e o que já se foi.

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