Texto: Bruna Obadowski
Fotos: Claire Jean
Nada indicava que ela fotografaria um dia. Química, por formação, Claire Jean trabalhava em um laboratório de genética na França, quando a vida entre quatro paredes passou a incomodá-la, resultando em uma viagem de veleiro pelo Atlântico, até desembarcar com seu esposo no Brasil. Claire fez a escolha de ter uma vida no campo e se estabeleceu na área rural durante seus primeiros vinte anos, vivendo em uma fazenda na Paraíba. Após esse tempo, uma virada mudaria sua vida, a separação de seu esposo estabeleceria sua aproximação com a fotografia, primeiramente como uma forma de terapia.
Iniciou com auto-retratos, sempre relacionando o corpo e a natureza, vínculo que prosseguiria como principal expressão do seu trabalho fotográfico, de uma estética tão singular. Vários amigos começaram a se dispor para seus ensaios, e assim Claire foi constituindo sua obra, tanto do ponto de vista estético, de composição e cores, quanto pela perspectiva política, uma vez em que há uma visível crítica questionando a relação do ser humano e a natureza. “A ideia é mostrar que a gente tem que cuidar mais da natureza, pois somos parte disso. Por isso o corpo nú, sem nada da criação humana, e ‘vestido’ com coisas orgânicas, tinta ou argila”. Quando Susan Sontag relata que toda fotografia de uma outra pessoa é um auto-retrato do fotógrafo, percebemos o quanto isso cabe à Claire.
Suas imagens são um deleite sensorial, poesia feita de luz e cores, corpos que se integram às exuberantes paisagens, que produzem toda sorte de significados para quem às contempla. Outras vezes, essa conexão revela o resultado da intervenção humana, o lixo, a seca e a morte também são elementos presentes que delineiam a crítica em seu trabalho.
Há uma aura feminina envolvente no processo fotográfico de Claire, presentificada diretamente nas fotografias. A natureza aqui se conecta com a singularidade dos movimentos dos corpos, que a todo tempo formam vetores de uma natureza feminina, uma Gaia que também sofre o assédio e a intervenção por mãos tradicionalmente masculinas.
A fotografia como arte se livra de padrões opressivos de perfeição, e Claire trabalha muito bem com a assimetria dos corpos. Em um marcante exemplo, relaciona a perda de um membro do corpo a um caule amputado, uma demonstração da potência e relevância de sua obra.
Preza pela luz e ambientes naturais e utiliza isso na composição, rendendo sempre novas criações, levando o trabalho da fotógrafa-artista a estar em constante evolução. Recentemente, foi convidada a fazer um ensaio de um casal em uma comunidade naturista em São Paulo. O trabalho acabou virando uma imersão na comunidade, retratando quase setenta pessoas “que não possuem preconceitos com a nudez, famílias, jovens, velhos, gordos, magros, e é aí onde está a essência do ser humano, conhecer as pessoas nuas é conhecer a essência das pessoas antes de saber quem elas são”.
A qualidade profissional do trabalho é surpreendente, ainda que Claire não se intitule profissional por “não querer perder esse espírito amador, que é uma coisa que apaixona, que cola na tua pele”. Não sobrevive diretamente da fotografia, porém recentemente teve um prejuízo financeiro decorrente do furto de equipamentos e agora reflete a possibilidade de transformar a fotografia em fonte de renda, pela necessidade.
Atualmente residindo em Recife, Claire Jean já coleciona alguns relevantes prêmios em seu histórico, como Marc Ferrez de Fotografia e Fotografe melhor LEICA. Passou recentemente pela Casa Cultural Villa Ritinha em Recife com a exposição “Olhares entre mundos”. O belo trabalho de Jean, e sua expressão singular na fotografia estará presente no próximo dia 14 no consulado francês, em comemoração ao Dia Nacional da França, em Recife.