Velhas paisagens, novas dinâmicas

Texto, vídeo e fotos: Dewis Caldas


O coronavírus impôs novos hábitos nas ruas e na vida de quem vive em Lisboa, pela narrativa do documentarista brasileiro que vive em Portugal, Dewis Caldas.

No momento que escrevo estas palavras há 160 mortos em Portugal num universo de 7443 mil infectados. Vivemos a terceira semana de quarentena com apenas trabalhos essenciais em livre funcionamento. O Governo promoveu o isolamento há 12 dias, mas aqui em casa estamos quarentenados há 23. Peguei a câmera e fiz estas fotografias durante as saídas estratégicas aos supermercados, coisas de banco e afins. A população já foi avisada que o decreto de Estado de Emergência vai se prolongar.

Embora fotografias banais e comuns se não fosse o tempo em que vivemos, devo dizer que foram contextos realmente difíceis de clicar e muitos foram os momentos em que me envergonhei de sacar a câmera e apenas passei direto. É estranho ver um bairro tão dinâmico com medo de si próprio. Há um silêncio que é constantemente quebrado pelas sirenes de ambulância (ou da polícia), enquanto isso a cidade tenta se adaptar e manter a mesma rotina dentro do possível, pessoa a pessoa, seja por uns minutos na pracinha ou na aventura que se tornou sair de casa para comprar uma sacola de pães.

Estas são imagens basicamente das proximidades do bairro Penha de França, uma das regiões lisboetas ainda fortemente residenciais embora a dois quilômetros do centro. O que impressiona nestes tempos é a ideia de isolar uma cidade, limitar o acesso das pessoas e depois apenas esperar. O Marktest realizou uma pesquisa e constatou que 90% dos portugueses concordam com a decisão de impor a quarentena e desde então a audiência da televisão quebrou imensos recordes de audiência, a internet pulsa com lives e tudo aquilo que antes era feito em grupo, como aulas, ensaios e trabalhos de qualquer natureza, agora é feito cada um da sua casa por streaming.

Em Lisboa ainda não se multam pessoas, também não soube de pessoas presas por furar a quarentena, mas sei que a ”vigilância pedagógica” citada pelo ministro tem estado nas ruas dispensando pessoas de forma bem energética. Quando passei de bicicleta pela Alameda já me deparei com duas viaturas e policiais com megafones pedindo que os que estavam alí por lazer fossem pra casa imediatamente. Outro amigo meu foi abordado pela polícia tanto na ida quanto na volta do supermercado. Há políticos que já falam sobre as próximas eleições propondo um governo de salvação. 

No entanto falar da estranheza social provocada pelo coronavírus é desnecessário, visto que neste momento provavelmente você também está em casa em quarentena. Partindo deste princípio, o que apresento aqui é unicamente a busca pela vida normal e o desconcertante espírito de coletividade de ”tudo bem, não podemos fazer nada, então vamos lá conviver com isso”. A banca de jornal continua aberta, mas entra um por vez, os outros clientes esperam lá fora, e tudo bem. O mercadinho do seo Rodrigues colocou uma placa orientando os clientes e amigos a esperar um por um a fazer todas as compras. 

Banca de revista . Lisboa. Caldas, 2020.
Banca de revista . Lisboa. Caldas, 2020.
Mercado Rodrigues, Lisboa. Caldas,2020.

O tradicional elétrico da Graça, um dos cartões postais da cidade, anda agora vazio, uma imagem que nunca tinha visto. Até mesmo o tcxu-tcxu, amigo paquistanês que tem uma quitanda aqui quase na frente de casa, continua com sua ”barricada” na frente, ninguém entra na loja, o que continua é a simpatia. O tcxu-tcxu há seis anos reside em Portugal, trabalhador de domingo-a-domingo, e pensa muito na família em tempos de coronavírus. Há dois anos sumiu aqui da loja. Tinha ido ao seu país buscar sua esposa, prometida na adolescência, se casou, ficou um dia lá e já voltou com ela para Lisboa. Final do ano passado nasceu a filhinha deles. “Ow my friend, disculpi-lá, deixa que eu pego o produto e jogo daqui pra fora, temos que proteger a nossa família”. Ele parecia bem.

Na rua tornou-se comum desviar das pessoas, vem alguém na rua você corre pro outro lado. Lá retornava eu do supermercado e um rapaz de máscara desviou pra longe, quando passou por mim me cumprimentou acenando as mãos, me surpreendi na hora, é a cumplicidade do vírus. Andei mais um pouco e vi uma senhora, com suas muletas e três sacolas nas mãos, andando devagar e com dificuldade. Fiquei tão triste em não poder nem chegar perto que também não consegui fotografar o angustiante momento.

Em casa está minha mulher Aline e minha filha Malena, de três anos e que até agora não estranhou o fato de já estar a quase trinta dias sem sair de casa. No grupo dos pais e mães da escola, no zapzap (Whatsapp), todo dia tem uma fotinha e um vídeo dos amiguinhos, cada um vai tentando se adaptar.

Começaram os dias de primavera e está rolando aquele sol que enchia os inúmeros jardins e áreas livres da cidade. E de repente veio a chuva, que deixou tudo ainda mais calmo. Não há previsão de quando a pandemia vai acabar e por isso mesmo o mundo anda acelerado, tentando se ajustar a este novo mundo. A vida e a forma de consumirmos tudo mudou radicalmente e sinto que certos hábitos ficarão mesmo para depois da pandemia, já andávamos num mundo de forte mudança e agora o vírus veio para acelerá-lo, espero que para frutificar as coisas boas. Em Lisboa anoitece daqui a pouco tem coletiva de imprensa da Direção-Geral da Saúde (DGS), quantos mais infectados tivemos hoje?


Dewis Caldas é jornalista, documentarista da MaranhasFilmes.com e vive em Lisboa desde 2014

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