Entre o real e a imagem

Entre o real e a imagem se impõe uma série infinita de outras imagens, invisíveis porém operante¹. É justamente esse “invisível” que colabora para outros modos de conceber a fotografia. São modos individuais a cada fotógrafo, uma escolha ao seguir um ou outro caminho, que dialoga essencialmente com a bagagem cultural construída ao longo da vida. É aqui, nesse emaranhado de vivências e escolhas que a fotografia de Vinicius Xavier se conecta ao mundo das artes, e como resultado, uma rica experiência cultural, política e humana.

Lebará – Feminina Força, é um dos ensaios que apresenta fortemente o estado de arte do fotógrafo. Com zelo, ele prepara sua cena, caracteriza a estética do corpo performático e deixa fluir livremente toda a expressividade da mulher, com suas dores, opressões, desafios e conquistas. Nele é possível compreender a potência do sagrado feminino representado pela Pombagira / Lebará, personagem icônica da religiosidade afrobrasileira. Assentada num corpo de mulher negra, ela nos apresenta uma performance que vai além da dicotomia entre o bem e o mal, o certo e o errado, o sagrado e o profano.

Não podíamos falar sobre sobre fotografia de Vinicius Xavier sem transitar na cultura popular brasileira, pois ela é abrigo do trabalho do fotógrafo baiano. As fotografias privilegiam os aspectos da cultura popular, trazendo de forma concreta as singularidades da Bahia, expressando no corpo e na corporalidade dos lugares a herança africana.

É possível que o caminho seja convergente ao do fotógrafo-antropólogo  Pierre Verger que, como dizia o intérprete Jorge Amado, buscava em suas obras “revelar a Bahia aos baianos”. Basta uma leve olhada nos ensaios para reconhecer o olhar etnográfico, com uma rica identificação e responsabilidade ao retratar com propriedade seu povo e sua cultura, transitando em espaços tradicionais da religiosidade, das manifestações culturais e da música, da feira de São Joaquim às celebrações tradicionais como a Irmandade da Boa Morte.

Há uma certa identificação com a realidade de muitos fotógrafos brasileiros, onde o trabalho que capitaliza deixa de ser o propósito principal, dando lugar à liberdade de expressão. No Brasil, a cultura nunca foi questão prioritária. Há uma dicotomia, segundo Luiz Lima, entre seriedade que a economia é tratada e a superficialidade reservada ao cultural.

Aqui a fotografia faz parte de um universo íntimo, ampliando e aprofundando as relações humanas, como o caso do ensaio Djalma – Coreografia de uma mente delirante, onde o fotógrafo traz para a superfície a densidade da vida do “personagem” como uma outra possibilidade de vê-lo, para além das pré-estabelecidas socialmente. O gatilho são as histórias.

As pessoas são donas de suas histórias. Eu apenas mostro a dignidade que elas já tem.


É como se ouvíssemos em Xavier as palavras de Marcel Mauus “a magia é natural e não adquirida²”. Ela não está nos “mágicos”, nem em instrumentos e operações mágicas, mas numa crença coletiva do grupo mágico em si³.

Sobre o fotógrafo

Vinicius Xavier [1979, radicado em salvador-ba-bra] publicitário por formação, fotógrafo pela vida, desenvolve seu trabalho fotográfico autoral desde 2003. Sua trajetória vai desde experiências com fotoclube de Salvador à cursos e trocas com grandes fotógrafos brasileiros, como Walter Firmo. Suas narrativas fotográficas transitam pelo universo da cultura popular brasileira.

Para conhecer mais sobre seu trabalho, acesse
http://www.viniciusxavier.com.br

¹  André Rouillé, 2009.
² Marcel Mauus, , 1902, em Sociologie at anthropologie, 1993.
³ Pierre Bourdieu, em Les règles de l ‘art, 1992.

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