A arte da fotografia remota

Texto: Bruna Obadowski
Fotos: Gracielle Galvão

Não são poucos os cases que usam hoje as ferramentas digitais para novos formatos de produção e disseminação de conteúdos neste período de isolamento social. No campo da fotografia, essa realidade é cada dia mais evidente. Muitos fotógrafos e fotografas têm ocupado o período de isolamento para se adaptar ao “novo normal”, experimentando novas formas de produção por meio das ferramentas digitais.  É o caso da fotógrafa de moda Gracielle Galvão, que para não deixar o ofício de lado durante a pandemia, se agarrou à tecnologia e embarcou em um universo até então desconhecido: o dos ensaios a distância.

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“Os ensaios por videochamada já eram uma realidade logo no começo da pandemia, mas eu não me via fazendo aquilo. Imagina que no começo da minha carreira, há quatro anos, eu achava que não dava pra ser fotógrafa porque a minha câmera era uma semi-profissional. Bobagem. Então foi um desafio interno me abrir pra esse modelo de foto”, reforça ela.

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A fotografia remota feita com auxílio de aplicativos de videoconferência virou tendência e alternativa para os profissionais do ramo, até então, dependentes do contato ao vivo. Os ensaios, cada dia mais recorrentes, ganham espaço por diversos motivos, dentre eles, o estímulo de poder continuar a retratar com segurança – sem sair de casa, a continuidade aos trabalhos, uma vez que maioria dos fotógrafos são autônomos e não possuem renda fixa ou vínculo empregatício, e até mesmo o uso da fotografia como terapia. Além disso, no campo do pensamento crítico, a fotografia remota nos traz um campo imenso de reflexão.

Para muitos, a fotografia tem se mostrado um instrumento claramente terapêutico. Aqui faço uma ênfase especialmente na condição das mulheres frente à pandemia, fotógrafas ou não. É fato que a violência aumentou significativamente nesse período, além disso, estamos sob forte pressão para desempenharmos funções simultâneas, como trabalhar, cuidar da casa e acompanhar a educação dos filhos, além de muitas vezes prestar assistência aos idosos da família. É nesse contexto,  que a vulnerabilidade física e  psicológica se potencializam nos “obrigando” a repensar a necessidade de estarmos produtivas a todo custo. “Depois de quase dois meses em isolamento social, e claro, sem trabalhar, a primeira coisa que eu pensei pra aliviar a tensão de tudo isso que tá acontecendo foi justamente fotografar por videochamada”, diz Graciele.

Aqui abro um parênteses para explorar a fotografia para além de suas múltiplas funções estéticas, terapêuticas, documentais, etc.  Trata-se, para muitos, de um ofício como principal atividade de renda. Portanto, pensar como se manter dentro de um mercado cujo as relações diretas são fundamentais, é também permitir ressignificar os novos formatos de consumo do trabalho fotográfico. Ora, em um país cujo o Estado não ampara os profissionais de todos os ramos para se manterem em casa frente à pandemia, a necessidade de se adequar o novo normal passa a ser fundamental, ainda que paulatinamente.

Segundo Gracielle, é complicado falar sobre a discussão social da fotografia. “Não dá pra saber a realidade de todos os fotógrafos, e a gente precisa reforçar que a fotografia é uma profissão. E isso é uma emergência. Eu sou uma fotógrafa que me preparei para imprevistos e tenho condições de ajudar. Mas não é a realidade de todos, então acredito demais que a fotografia por videochamada seja hoje a opção mais segura e uma excelente via de mão dupla financeiramente”.

Ainda segundo Gracielle, esses ensaios para ela não tem custo algum, é uma forma que ela encontrou pra se manter ativa na fotografia, estudando, e ajudando mulheres que foram de alguma forma prejudicadas com a pandemia. “Não sei como falar, mas basicamente de pessoas físicas/mulheres, eu não cobro, mas das marcas sim. Mas o custo para as marcas também foge dos valores do trabalho in loco, sabe? Quero deixar um convite para todas as mulheres que foram de alguma forma prejudicadas com a pandemia. Vamos conversar”, reforça Gracielle sobre seu trabalho em específico”.

Para além da questão econômica, chama a atenção as relações técnicas e estéticas desse novo formato de fotografia. Sempre defendi que o equipamento nunca fosse a questão primária para se pensar a fotografia. Claro, guardadas as proporções. Nesse novo formato, as questões técnicas e estéticas também se reformulam e passam a ser percebidas e entendidas com mais flexibilidade, uma vez que esses equipamentos já não nos são mais uma escolha e sim uma circunstância, afinal  a câmera usual deixa de ser o objeto consagrado, dando lugar ao objeto do outro: seu celular, sua webcam e até a câmera do computador. O que nos resta? Muito, o essencial eu diria: o olhar que construímos, nossa forma de relacionar com o outro, de compreender as necessidades e as especificidades de cada um, tudo isso agora fora da nossa zona de conforto.

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Fotografar as/nas ruas pode ser um um outro campo de debate nesse momento, tão rico e potente quanto os ensaios por videochamadas. Vamos falar sobre isso, mas por hora, sabemos que hoje até os sets com tantos e tantos profissionais é nada exequível. Até quando? Não sabemos. “Eu fico lembrando de alguns sets que trabalhei, com quase 15 pessoas dentro de um estúdio pequeno. Parece uma realidade paralela hoje. E eu adoro pensar que a fotografia tem essa sensibilidade de se adaptar nas crises, guerras e momentos históricos. Eu gosto de pensar no caminho que a fotografia de moda precisou percorrer para que antes da pandemia, a gente pudesse ter 15 pessoas dentro de um set, e eu to ansiosa conhecendo uma nova realidade”, reforça Gracielle.

Mas nem só de de pandemia viveu a fotografia, não é mesmo? Quem nunca estranhou uma fotografia pixelizada ou até mesmo granulada? Estamos em 2020 – anos de avanço técnico, e novos tempos, novos formatos que nos fazem desmistificar a construção estética sobre “a boa fotografia” que convencionamos ao longo dos anos.  “Passar por cima de uma carreira ainda que pequena, mas construída em entregar o melhor que eu posso fazer, e entender que mesmo faltando pixels eu posso continuar entregando minha estética, agora com ensaios nesse formato”.

Como disse, é fundamental reforçar que cai por terra nesse momento de pandemia a necessidade de uma câmera profissional, um tripé de tantos quilos/tantos reais, sobretudo nos ensaios por videoconferência. Entra em cena a possibilidade de problematizar muito da história que nos foi colocada goela abaixo. Equipamentos pesados nunca foi de fato uma problemática para a  inserção, em especial das mulheres – e ouso dizer dos negros e trans – na fotografia no séc. XIX, e sim uma problemática narrada por aqueles (homens brancos e ricos ) que detinham o poder de escrever a história e isso a pandemia nos mostrou bem.

Apesar de tudo, transcendemos a fotografia como documento, passamos pelas questões postas pelo capital e, no momento mais recente de debate, a fotografia como arte contemporânea. Mas como pensar a fotografia frente à pandemia? Quais são nossos novos desafios? Por hora, Gracielle nos completa com seus ensaios como parte de suas reflexões e ressignificações nesse momento de Pandemia. 

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Gracielle Galvão é formada em Publicidade e Propaganda, trabalhou durante anos no Marketing, e mudou sua carreira há 4 anos já partindo pra fotografia de moda. Começou fotografando para algumas lojas em Cuiabá – MT, mas seu o objetivo sempre foi trabalhar com marcas, produzir conteúdo, campanhas e editoriais. Em 2018 foi pra Paris, trabalhou como assistente de um fotógrafo de moda, fotografou no Paris Fashion Week e seguiu com ensaios de moda. Hoje mora em São Paulo, trabalha com algumas marcas. Com trabalho publicado em revistas como: Iconic Artist e Vogue Itália. E em livro no: Guia do Design Consciente.

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