Com lideranças de 35 povos, Acampamento Terra Livre de Mato Grosso reacende alerta para a ausência de políticas públicas voltadas aos indígenas no estado; Repúdio à PCHs, garimpo e desmatamento em Terras Indígenas foram destaques na fala de Raoni Metuktire
Texto: Bruna Obadowski
Fotografias: Ahmad Jarrah
Nós temos direito de proteger nossos territórios
Cacique Raoni Metuktire
Esse foi um dos primeiros recados do Cacique Raoni Metuktire, uma das principais lideranças indígenas pela defesa da Amazônia e pelos direitos dos povos nativos no Brasil, durante o encerramento do primeiro Acampamento Terra Livre de Mato Grosso que reuniu lideranças de 35 povos indígenas do estado entre os dias 10 e 13 de abril, em Cuiabá (MT).
A falta de políticas públicas voltadas aos povos indígenas de Mato Grosso foi amplamente debatida entre as lideranças nos quatro dias de atividade do acampamento, considerado uma preparatória para a edição 2023 do ATL em Brasília, que acontece ainda no mês de abril.
Em Mato Grosso, o encontro entre os povos indígenas, políticos, organizações não governamentais e ativistas expôs a urgência da necessidade de investimento nas áreas da educação, saúde, sustentabilidade e uso da terra nas TIs de todo o estado. As pautas foram tema do evento.
Para Eliane Xunakalo, presidente da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt), o evento é um momento de comunhão, mas também político. “É um momento de comunhão, de idealizações de iniciativas para que possamos estar integrados às decisões políticas que impactam nossas vidas, além de ser este também um momento de preparação para o ATL em Brasília”, disse à imprensa.
Durante a semana em Cuiabá, os indígenas puderam manifestar suas demandas, principais entraves e conflitos vivenciados dentro de suas aldeias e terras indígenas. Também trouxeram para capital do estado as cores, pinturas, danças e artesanatos para aproximar a cultura indígena de quem transitava pela cidade. No olhar atento é possível compreender a diversidade e a magia de cada povo.
MUDANÇAS CLIMÁTICAS
O evento também reacendeu o alerta para as mudanças climáticas e sinalizou preocupação com o avanço do desmatamento e do garimpo ilegal nas Terras Indígenas, especialmente em Mato Grosso, um dos nove estados que compõem a Amazônia Legal.
Para se ter ideia, entre 2010 e 2021 o avanço do garimpo sobre terras indígenas cresceu 632%. O desmatamento também alavancou números alarmantes. Duas TIs em Mato Grosso estão entre as áreas com maiores derrubadas do país, Piripkura e Sangradouro, sendo outras cinco registradas dentro do ranking de maiores desmatamentos.
Dados atualizados pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente (Imazon), incluíram as terras indígenas Batelão e Enawenê-Nawê do povo Kaiabi entre as mais ameaçadas. Somente em 2021 foram registrados de 200 hectares a 1 mil hectares de florestas derrubadas em cada área indígena de Mato Grosso, segundo o MapBiomas.
Durante o encerramento do ATL, Raoni Metuktire cobrou diálogo com o governador Mauro Mendes, destacou a defesa da floresta e rechaçou a liberação de empreendimentos nocivos à vida da floresta, como a construção de pequenas centrais hidrelétricas.
Nós não vamos concordar com a construção de PCHs em Terras Indígenas, não vou concordar com o trabalho de garimpeiros em Terras Indígenas, não vou concordar com trabalho dos madeireiros em Terras Indígenas, porque o desmatamento é o problema, as folhas, a floresta ameniza a temperatura pra gente sobreviver, se derrubar tudo pode haver problemas maiores, mais inundação, enfim, esses problemas ambientais.
Cacique Raoni Metuktire
Segundo ele, o futuro será trágico caso não comecemos a cuidar de nossas florestas. “Eu sei que vocês não sabem isso, nunca viram isso, mas eu como pajé já vi. Encontrei com os donos da água e conversei com eles como pajé, por isso eu sei. Vocês não sabem, nós vamos ter problema se continuar assim”, relatou.
Em março, o relatório síntese do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC) trouxe avaliações sobre o aquecimento global provocado pelo homem. Para os pesquisadores do painel, os conhecimentos indígenas e de populações tradicionais são imprescindíveis para a mitigação do aquecimento global.
Mato Grosso é estratégico para o movimento indígena e para o enfrentamento da emergência climática. Trata-se do centro do agronegócio do país e ponto focal das grandes obras que atendem esse mercado. Ao lado do agronegócio, o estado detém 14% do rebanho bovino nacional, atividades que impulsionam majoritariamente o desmatamento em toda a Amazônia.
REIVINDICAÇÕES E PROTAGONISMO
Após críticas sobre a ausência no evento, o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM), recebeu na sexta-feira (14) lideranças indígenas que entregaram ao chefe do executivo um documento com as principais reivindicações e deliberações do ATL.
O documento pontua demandas de políticas de educação indígena, de saúde, uso da terra, sustentabilidade e demarcação de territórios. A carta do primeiro ATL de Mato Grosso também defendeu a unidade dos povos originários, que somam 43 no estado, aproximadamente 60 mil indígenas presentes nos três biomas: Cerrado, Pantanal e Amazônia.
Mais do que efetivação das políticas públicas, os povos indígenas estão dispostos a “aldear a política” e querem ser protagonistas da própria história. Na última eleição, cinco indígenas foram eleitos para a Câmara dos Deputados. O número é o maior na história. O número de candidaturas indígenas também teve um recorde de 175 candidatos que se autodeclararam indígenas.
Segundo Raoni, durante entrevista exclusiva para A Lente, ao encontrar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante sua posse em Brasília, o presidente ressaltou a importância dos indígenas ocuparem os cargos de representatividade.
“Quando eu estive com o presidente Lula ele disse que o próprio indígena tinha que trabalhar na frente da gestão de órgãos indigenistas para ele próprio cuidar do povo indígena e foi nesse momento que ele me convidou para subir na rampa com ele”, contou o cacique.
