Texto: Ahmad Jarrah
Fotos: Ahmad Jarrah e Bruna Obadowski
O percurso em um país afetado pela maior crise migratória do século revela paisagens sendo cortadas por centenas de tendas em uma ocupação dramática e desordenada, consequência de uma guerra covarde e cruel. As tendas formam vários acampamentos para refugiados sírios que se estabelecem com uma certa anomia e atravessam todo o Líbano. Essa condição tornava explícita a necessidade de documentação da vida em meio a esse caos.
A inquietação toma conta à medida em que a vulnerabilidade daquelas frágeis instalações vai se revelando. Vielas de terra, rede elétrica precária, ausência de saneamento e água encanada. Não há salubridade, tampouco higiene nos acampamentos. Os banheiros são compartilhados e a maioria dos barracos são de chão batido cobertos com pedaços de lona.
Porém, com toda a escassez estrutural, o que mais comove é a precariedade da condição humana expressa no semblante de cada sírio, despertando a vontade de retratar o ser humano e a resistência da vida em seu curso habitual.
Um cotidiano singular carregado de sentimentos. Nos olhares, o desalento ao mirar o horizonte e ainda não enxergar o que acontecerá logo em frente. O bálsamo das conquistas tem um sabor amargo: sobreviver, mas deixar para trás suas casas, seus familiares, suas vidas. A ingenuidade das crianças é algo que sensibiliza e ao mesmo tempo atormenta. Os sorrisos que timidamente vão se abrindo em rostos marcados pela dor. As cicatrizes visíveis e ocultas que muitas vezes jamais se fecharão.
Uma garota se protege do sol escaldante sob a sombra de uma tenda, cuja lona é a publicidade de um banco: “You can put a value on a house, but not a home”. Um refúgio é muito diferente de um lar, as crianças também o sabem, e no imaginário das brincadeiras sempre está o enredo do retorno para casa. Sair da condição de refugiado para ganhar de volta o seu lar.
Os acampamentos estão repletos de crianças e mulheres em seus afazeres, principalmente transportando garrafas de água de um lado para outro. A sobrevivência financeira dos refugiados depende de uma pequena ajuda do governo e do árduo trabalho nas plantações de batata e nas feiras livres.
Os sírios também tem se inserido no mercado de trabalho libanês operando tarefas braçais, e pelo baixo preço da mão de obra já começam a causar atritos. Os serviços públicos não dão mais conta de atender toda a população. Em breve poderemos ver cenas lamentáveis de uma grave consequência da guerra na Síria, o acirramento de uma disputa interna em um país onde os refugiados já representam quase um terço da população. O clima é de apreensão.
Assim como vultos invisíveis, com as faces marcadas pelo sofrimento, os sírios percorrem as ruas libanesas em busca da sobrevivência. Sem a piedade do tempo, que corre enquanto seus lares estão sendo devastados, sem a condolência dos homens que continuam a engendrar as mais abomináveis perversidades.
Nas fotografias, as histórias gravadas em suas peles traduzem a força de quem resiste, ainda que tenha perdido todo o resto. A vida é o triunfo dos sobreviventes, mesmo com todas as incertezas de quais serão os seus destinos.