Trabalhar até morrer

Texto e fotos: Ahmad Jarrah e Bruna Obadowski

Todas as manhãs, João busca o carrinho de picolés na empresa para iniciar sua jornada de trabalho. “Era pedreiro, mas tive um problema nas pernas. Por causa disso não posso andar muito e fico por aqui”. Ele tem 75 anos e saiu do Rio Grande do Norte em 1958, sua terra natal, chegou à Cuiabá só em 2003, desde então trabalha como picolezeiro em uma praça.

Muitos de seus colegas picolezeiros também são aposentados “o valor é muito pequeno, não dá pra cobrir as despesas. Aí tem que continuar trabalhando até morrer”. Só de aluguel ele gasta quase metade da aposentadoria, ainda tem custos com medicamentos “não sobra nada”.

Ao falar sobre a previdência, é categórico: “Querem cortar despesa em cima do pobre assalariado, do coitado que não tem o que comer. Quem nasce em berço de ouro, não quer nada para os pobres”.

Conforme a idade avança, o vigor para desempenhar atividades físicas diminui, fazendo com que muitos idosos procurem trabalhos alternativos como ambulantes. É o caso de José Aparecido, vendedor de frutas, que atua desde 1996 na região central de Cuiabá. Ele tem 66 anos e, junto com Fátima, sua esposa, tenta se aposentar há dois.

O casal cuida de duas netinhas, de doze e sete anos, pois a mãe tem dependência química. As netas os acompanham desde muito cedo, dona Fátima relata que a caçula chegou a dormir várias vezes em um caixote de papelão, enquanto eles trabalhavam na praça. “O sol nasce para todos, mas no Brasil só ilumina alguns”, relata José, reflexivo sobre a falta de amparo aos idosos, como o caso de seu companheiro de trabalho, aposentado, que “faleceu em cima do carrinho de frutas”.

São inúmeros os casos de idosos aposentados que ainda são obrigados, pela condição social, a continuar trabalhando para complemento da renda. Custos como aluguel e saúde pesam no orçamento, fazendo com que um ciclo de trabalho e serviço à sociedade, que deveria estar concluído, seja arrastado até à beira da morte.

Emílio trabalha em uma banca, vendendo artesanatos produzidos pelo seu filho que tem afonia, deficiência que afeta a fala. Ele tem 70 anos e é aposentado, ajuda uma filha e um filho, desempregados.

Aposentado há dois anos, André, 66, começa o expediente às 5h como gari pelas ruas do centro. É um trabalho pesado, mas agradece por ter um emprego em tempos de crise, já que precisa do salário extra.

Anildo conta que tem 67 anos, é aposentado e trabalha como caseiro em uma chácara na Guia e só vem para Cuiabá buscar o benefício. Mostra detalhes de seu corpo marcados pelo labor.

Anildo descansa sentado na escadaria de uma igreja, depois de muito caminhar, aparentemente sem ter um destino certo.

Alguns ambulantes da redondeza afirmam que, apesar de Anildo ser aposentado, mora na rua há alguns anos e vive sozinho vagando pelas calçadas.

Histórias como essas se atravessam cotidianamente pelo Brasil, no mesmo movimento de luta pela subsistência. A iminência de um agravamento do problema com as reformas, tornará ainda mais dramática a situação no país. Se com a aposentadoria já é difícil, sem ela só alargaremos a desigualdade social e os bolsões de miséria.

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