Texto e fotos: Ahmad Jarrah
A única luz a iluminar aquela noite seria da imponente lua cheia que se alçava no horizonte. No Santuário Eucarístico, na Igreja do Bom Despacho, os coroinhas se alinhavam na porta para a saudação a um candelabro triangular com quinze velas. O silêncio é rompido com o som das matracas, que anunciavam o início do rito litúrgico. O Ofício de Trevas é uma tradição milenar e em alguns locais, ainda é realizado com todos os detalhes ritualísticos e simbólicos.
É um dos eventos que compõem a semana santa, realizado à noite, o contexto das trevas recorda a morte de Jesus Cristo, para que três dias depois ele viesse a ser ressuscitado, ato representado por outra missa, no domingo de Páscoa. Centenas de fiéis se enfileiravam nos bancos, e traziam no semblante as condolências pelo sofrimento fadado a Cristo.
A luz que emanava das velas viriam a ser apagadas, uma a uma, anunciadas pelo canto gregoriano e pelas recitações em latim, criando no rito uma sensação atemporal e enigmática, que juntamente com a suntuosa arquitetura da igreja, por vezes nos transportava para outros séculos e milênios.
O ato litúrgico impressiona pela experiência sensorial que provoca, especialmente pela audição e pela visão, ou falta dela. O som da matraca ecoa de maneira avassaladora no interior da igreja, é como se despertasse o invisível que nos circunda. Após o apagar de quatorze velas, a última, chamada de Galo das Trevas, é levada acesa para atrás do altar. As sombras se espalham e tornam difícil enxergar. A adaptação dos olhos à escuridão é lenta e cercada de vultos, que aparecem em uma ilusão provocada pela percepção das pessoas ao redor. A cerimônia se conduz ao encerramento aclamada pelo som da veemente batida dos pés no chão, feita por todos os fiéis como uma simbologia ao terremoto que acompanhou a morte de Jesus.
Essa é apenas uma parte de toda a celebração que compreende a semana santa, porém se distingue pela excentricidade do rito conduzido de maneira fiel às tradições seculares da igreja católica.