Texto e fotos: Bruna Obadowski
Antes do sol apontar na janela de sua sala, na pequena comunidade de Cangas, distrito de Poconé, Dona Ondina já está de pé. Seu dia começa tradicionalmente preparando o “cafézinho”, enquanto seu esposo, Valentim, apronta já apronta um tacho de ferro. Trata-se de “uma engenhoca” como ele faz questão de chamar, referindo-se a um grande mexedor de doces aprumado entre o teto e o fundo da panela, que ferve em cada dia um doce diferente, ora de goiaba, ora de abóbora, e assim vai. Após fazer todo serviço de casa, Ondina dedica boa parte de sua tarde a bordar. Não se trata, no entanto, de uma simples tarefa, mas de pontos cuidadosos que chegam a durar semanas de dedicação, é a arte da arpilleria.
Maria Ondina é uma das poucas mulheres no Brasil a desenvolver essa arte. A “arpillera” é uma técnica têxtil chilena nascida com as bordadeiras de Isla Negra, no Chile, que servia como uma forma de subsistência para as mulheres e também um símbolo de resistência à ditadura militar. No Brasil, a arpillera ainda é pouco conhecida. Em Poconé, chegou em 2007 mediada por Noris, uma professora peruana que passou uma temporada no Pantanal e, com muito carinho ensinou toda a sua técnica para as mulheres da região.
“A muierada poconeana tomou gosto pela arpilleria e desenvolveu o retalhos de arte”, conta Delma com o tradicional sotaque pantaneiro. Trata-se de uma associação que trabalha exclusivamente com esta arte, praticando e repassando a técnica por meio de oficinas. Tudo em referência às tradições pantaneiras, sua fauna e flora, bem como os festejos locais como a cavalhada e a dança dos mascarados.
Hoje, a associação é mantida por cerca de 20 mulheres, todas moradoras de Poconé e região. Elas se reúnem às terças-feiras para bordar e tocar a associação, que não possui sede fixa, mas se mantém temporariamente na sede de um sindicato parceiro.
A arte é minuciosa. Tudo é muito detalhado, feito por cada uma com muito carinho e atenção. Dona Delma recorta com sutileza um dos peixes a compor sua tela. “Há de ser ter paciência e cuidado” ressalta, numa mistura de atenção e prazer. Para além dos períodos de bordação, Delma trabalha com seu esposo Rafael em uma oficina de carros. Para ela, a diferença é gigante.
Fazer as telas se trata não só de um trabalho, mas uma grande terapia.
Dona Delma – Artesã.
Delma, assim como a maioria das mulheres envolvidas no projeto, possui outra atividade como principal fonte de renda. Segundo as mulheres, trata-se de uma arte que requer atenção, dedicação e cuidado, chegando a durar até dois meses para a produção de uma peça. As telas possuem valores diferentes, dependo do tamanho, variando entre R$80,00 a R$500.
Outra peculiaridade do trabalho desenvolvido na associação é que as peças são desenvolvidas de forma colaborativa e coletiva, desde a compra do material à fabricação de grandes encomendas.
Ainda que com muito prazer pela arte, o retorno financeiro é pouco em vista do tempo dedicado a cada produção, retratam as bordadeiras. Isso faz com que muitas dessas mulheres, como dona Delma e dona Nóris, procurem subsistência por outras fontes de renda.
Lembram de Dona Ondina? Além dos trabalhos dedicados no “retalhos de arte”, ela agora faz parte da associação “famílias da terra”, onde produz junto com seu esposo Valentim doces e compotas para o completo de rua renda..
As famílias que residem no pantanal mato-grossense seguem desempenhando suas atividades, especialmente após a pandemia. Tanto as bordadeiras do “retalhos de arte”, com o olhar sensível ao pantanal, quanto as “famílias da terra” , que agrega atualmente cerca de 800 famílias, partem de um movimento tradicional para garantir sua subsistência a partir dos trabalhos desenvolvido com criatividade e dedicação.
Para saber mais sobre a ate da arpilleria, entre em contato com a nossa editoria pelo e-mail: sitealente@gmail.com .