Debate sobre setor elétrico brasileiro alerta sobre impactos ambientais provocados por hidrelétricas

As usinas hidrelétricas seguem ocupando papel de destaque no fornecimento de energia no Brasil, desencadeando debates intensos sobre seus impactos ambientais. Com produção de 54.873 megawatts médios, volume 4,5% maior na comparação com o mesmo período de 2022, é o setor que mais ocupa espaço, enquanto as termelétricas reduziram sua participação em quase 45%.

Este cenário vem sendo cada vez mais discutido entre pesquisadores, movimentos e organizações não-governamentais a fim de buscar alternativas viáveis para diminuir os impactos ambientais gerados pela produção energética. 

Nesse contexto, as fontes alternativas também seguem ganhando mais espaço. Para se ter ideia, em janeiro deste ano, as fazendas solares geraram 70% mais eletricidade, enquanto os parques eólicos avançaram quase 40%, é o que aponta a informação prévia do Boletim InfoMercado Quinzenal da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica — CCEE.

Como parte dos debates, o Movimento dos Atingidos por Barragens de Mato Grosso (MAB/MT) realiza nesta sexta-feira (24/02) uma roda de conversa para debater o setor elétrico brasileiro. Com o tema “Análise do setor elétrico brasileiro: desafios e perspectivas no cenário atual”, o evento é realizado entre às 8h e 17h, no auditório da Secitec, em Sinop. A atividade conta com a presença do Dr. Dorival Gonçalves, professor e pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Além dele, outros docentes, pesquisadores e integrantes de movimentos sociais e sindicais participam do evento, como é o caso da Associação dos Docentes da Unemat (Adunemat).

O primeiro objetivo é um processo de formação a partir da troca de experiências das organizações que estão no território, seja na Bacia do Teles Pires, seja na Bacia do Juruena. O segundo objetivo é encontrar os pontos comuns entre as organizações para criarmos um espaço contínuo de debates e planejamento conjunto. O terceiro ponto é aglutinar essas organizações de modo a pensarmos juntos a resistência no território e também propondo agendas propositivas, seja no campo da agroecologia, seja no turismo comunitário, entre outros campos econômicos mais sustentáveis.

Jefferson Nascimento – Militante do MAB Mato Grosso.

O norte do estado vem intensificando os debates sobre o direcionamento das políticas energéticas no Brasil pela região ser base do complexo hidrelétrico Teles Pires que abriga seis usinas hidrelétricas – ativas e projetadas.

Impactos da UHE Sinop

Depois da instalação da UHE Sinop, o rio Teles Pires foi afetado drasticamente, ocasionando inundação de quilômetros de leito de rio e afetando inclusive a força da corrente, fazendo o pujante Teles Pires transformar suas fortes corredeiras em um cenário de águas calmas como uma lagoa em alguns locais, onde hoje se acumulam o lodo e dejetos despejados pela usina no rio.

Um dos grandes impactos das quatro hidrelétricas nas região é na ictiofauna do rio Teles Pires. Em agosto de 2020, mais de 60 toneladas de peixes morreram agonizando em uma água barrenta, em maio já haviam sido 6 toneladas, no ano passado em três ocasiões alcançou mais de 50 toneladas. Em todas as vezes, várias equipes contratadas pela Usina de Sinop fizeram a coleta dos peixes e transportaram em tambores para serem enterrados no terreno da Usina.

Morte de peixes no rio Teles Pires. 2020. Foto: Ahmad Jarrah/A Lente.

Até hoje a morte de peixes continua ocorrendo no rio Teles Pires e nenhuma medida efetiva foi tomada para solucionar o problema. Diante da inércia do poder público, os pescadores se mobilizaram e estão realizando diversas manifestações e protestos em Sinop, alguns deles inclusive tem sido ameaçados nas margens do rio.

O Ministério Público do Estado denunciou a hidrelétrica UHE Sinop como a responsável pelo crime ambiental. A companhia foi multada em 62 milhões de reais, mas recorreu.

Os peixes encontrados tinham lesões variadas, como brânquias estouradas, lesões e bolhas pelos corpos, olhos, salteados e esbugalhados, a grande maioria morreu em choque por falta de oxigenação na água.

Por consequência dessa alta mortandade, muitos cientistas acreditam que a hidrelétrica já causou o desaparecimento de espécies nobres como a própria piraíba, o jaú e o matrinxã em grandes trechos do rio, e que também esteja provocando uma queda na qualidade da água.

O pesquisador e assessor do Ministério Público Estadual, o biólogo Francisco de Arruda Machado, explica que a alteração nas espécies do rio Teles Pires é um fato irreparável. “A situação é muito difícil, o rio Teles Pires virou um grande lago. O impacto sinérgico é reconhecido por todos. Não tem mais esse ambientes de corredeiras por onde esses animais migravam”, explica Machado.

Lago no Rio Teles Pires, na UHE Sinop. 2021. Foto: Ahmad Jarrah e Bruna Obadowski/A Lente.

O biólogo alerta que haverá uma mudança nas espécies do Teles Pires. “Com o estabelecimento do lago em determinado momento, o ambiente vai estabilizar e muitas espécies, principalmente de pequeno porte irão continuar existindo, mas vai florescer principalmente acarás, tucunarés, esses peixes que são efetivamente peixes de lagoas”.

“Quantas famílias não poderiam ser alimentadas por esses peixes que morreram?”, questiona Seu Irineu, afirmando que a fiscalização com o pescador é muito mais rigorosa, e o que ocorre com a Usina é o sentimento de impunidade. Os impactos desse desequilíbrio serão sentidos nos próximos anos e os efeitos sobre todo o ecossistema podem nunca mais retornar o rio Teles Pires como era antes.

Hidrelétricas no Rio Cuiabá 

A necropolítica que se instaurou no Brasil nos últimos anos atua em todos os campos da vida social, porém um dos tentáculos principais de ação está nas políticas ambientais, ou melhor, na completa dissolução delas. Mato Grosso, assim como os estados da região norte, estão no centro dessa disputa, como temos visto ocorrer na Amazônia, Pantanal e Terras Indígenas.

No ano passado, após intenso debate entre os parlamentares de Mato Grosso, a lei nº 11.865, que proíbe a construção de usinas hidrelétricas (UHE) e pequenas centrais hidrelétricas (PCH) em toda a extensão do Rio Cuiabá, foi publicada no Diário Oficial. 

Rio Cuiabá. 2020. Foto: Bruna Obadowski/A Lente.

A proibição se dá devido ao alto grau de impacto ambiental e social. Segundo trecho da lei, a instalação de usina e a construção de barragens refreiam o curso do rio e seria preciso alargar grandes áreas, o que afeta diversas regiões e o meio ambiente. 

Na ocasião, o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM), lamentou pela aprovação da lei. Segundo reportagem publicada na imprensa, essa não foi a primeira vez que o governador se mostrou favorável a empreendimentos na bacia hidrográfica que compõe o Pantanal, maior planície alagável do mundo. 

Documentos obtidos pela Agência Pública mostram que, ao longo de seu mandato, Mendes pressionou entidades, órgãos públicos e políticos para flexibilizar leis que poderiam viabilizar a construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas, as PCHs, na região. 

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