Pesquisa aponta como extrema-direita explora desinformação ambiental no Brasil

Da redação
Foto de capa: Chico Batata/Greenpeace

Um mapeamento recente em plataformas de mídia social e em propagandas veiculadas pela Meta mostra que a crise humanitária vivida pelos indígenas Yanomami, que ganhou maior visibilidade nas redes sociais a partir do dia 20 de janeiro, após o anúncio da visita pela comitiva liderada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao estado de Roraima, tem sido pauta para a produção de desinformação pela extrema-direita brasileira. 

Segundo a pesquisa, influenciadores bolsonaristas, assim como o próprio ex-presidente Jair Messias Bolsonaro e integrantes do seu governo, disseminaram desinformação com o objetivo de desresponsabilizar a última gestão pela crise amplamente denunciada por movimentos indígenas, organizações não-governamentais e a imprensa na Terra Indígena Yanomami. 

Como resultado dessa ofensiva nos meios digitais, a situação de vulnerabilidade dos indígenas Yanomami tem sido tratada pela extrema-direita como “farsa da esquerda”. Esse movimento vem acompanhado por narrativas de relativização dos impactos do garimpo, de exaltação do exército e de ataque a organizações ambientalistas. Além disso, os públicos das plataformas pesquisadas, como Facebook e Instagram, são expostos a anúncios patrocinados que distorcem os fatos e buscam descredibilizar tanto a mídia tradicional quanto a cobertura feita pela imprensa. É o que aponta o relatório “Panorama da Infodemia Socioambiental”, desenvolvido no NETLAB da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O documento, disponível para o acesso público no website do NETLAB, apresenta como a extrema-direita estruturou um ecossistema de desinformação no Brasil, com capacidade de mobilizar a grande mídia, portais da mídia local e fontes de junk news para ecoar narrativas a favor do agronegócio, de teorias negacionistas e de desmonte ambiental, além de organizar uma atuação multiplataforma coordenada entre influenciadores, políticos e financiadores. 

Segundo a pesquisa, o volume de ataques e conteúdos relacionados à desinformação socioambiental aumentou consideravelmente nas plataformas no segundo turno das eleições, dividindo as atenções com outras campanhas voltadas à descredibilização do sistema eleitoral, da imprensa e a questões religiosas, de gênero e família.

De forma sintética, o “Panorama da Infodemia Socioambiental” apresenta como diversos atores, mensagens e plataformas se interconectam na circulação de desinformação no ecossistema digital da extrema-direita; nomeia os principais políticos e influenciadores que o protagonizam; detalha as narrativas presentes e as especificidades da desinformação em cada plataforma trabalhada; o ecossistema de mídia online e o mapa de investimento em anúncios políticos na Amazônia Legal, assim como três seções temáticas sobre a Guerra na Ucrânia, as Eleições de 2022 e as denúncias sobre a crise humanitária em Terras Indígenas Yanomami.

Desinformação

No ecossistema da desinformação pesquisado pelo NetLab, que esquadrinha conteúdos veiculados em plataformas como o Whatsapp, Telegram, Youtube, Twitter, Facebook, Instagram e TikTok, discursos de ódio contra movimentos socioambientais, negacionismo climático, relativização dos desastres ambientais e teorias da conspiração coexistem com expressões publicitárias como “agro é pop”, “agro é tudo” e “Amazônia é nossa”, essa última bastante explorada pelo regime militar e por projetos autoritários implantados na região no decorrer do século passado. 

“As principais narrativas mobilizam o significante ‘Amazônia’ atrelado a imaginários patrióticos, como nação e riqueza brasileiras. Há uma inversão no significado de riqueza: ao invés de significar ‘floresta e biodiversidade’, a Amazônia é vinculada à ideia de crescimento econômico e PIB”, enfatiza o relatório.

Na mídia da Amazônia Legal, que inclui jornais e portais de notícias online, os veículos enaltecem a produtividade do agronegócio, sem contraponto com os impactos causados pelas suas atividades nos territórios e outras formas de produção.

Atores

Entre os principais resultados, o novo relatório do Infodemia aponta que o ex-presidente Jair Bolsonaro, membros de sua família, ex-ministros eleitos a cargos parlamentares ou executivos e deputados reeleitos nas últimas eleições se posicionaram como fontes ou disseminadores de teorias negacionistas, exaltação ao agronegócio, discursos de ódio e defesa de ações anti ambientais promovidas desde 2019 no Brasil. 

Além de Jair Bolsonaro, a lista de autoridades que protagonizaram o ecossistema no período estudado inclui a deputada federal reeleita Carla Zambelli (PL/SP); o ex-ministro do Meio Ambiente e deputado federal eleito, Ricardo Salles (PL/SP); os deputados federais reeleitos Eduardo Bolsonaro (PL/SP), Carlos Jordy (PL/RJ) e Filipe Barros (PL-PR); a ex-ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil, Tereza Cristina (PP/MS), eleita para o Senado Federal; e o ex-ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas (Republicanos/SP), eleito governador de São Paulo.

Produtores rurais, empresários e até músicos compuseram a lista de influenciadores, sem cargos públicos, que mais propagaram desinformação em múltiplas plataformas. Entre os que mais se notabilizaram estão Braulio Junior, Gustavo Prunchniesky, Salim Mattar, Nando Moura, Bárbara Destefani, Kim Paim, Rodrigo Constantino e Camila Telles. Suas contas chegam a reunir de centenas de milhares a milhões de seguidores. 

Além de disseminar os conteúdos antidemocráticos, esses atores tiveram, em geral, a capacidade de pautar o debate em diversas redes, como Twitter, Facebook e Telegram.

As análises também detectaram o foco da produtora de extrema-direita Brasil Paralelo em promover anúncios com conteúdos desinformativos focados na Amazônia Legal. 

Em relação a essa comunicação mais direcionada, outros candidatos bolsonaristas atuaram como os principais anunciantes de conteúdo segmentado para os estados da região, com pautas em defesa do agronegócio e ataques a direitos e agendas socioambientais.

Outros casos recentes

Ao se debruçar sobre outros casos, as pesquisadoras analisaram como a guerra da Ucrânia foi instrumentalizada por bolsonaristas em favor do desmonte ambiental.

Segundo o relatório, três narrativas de desinformação foram exploradas a partir do contexto internacional influenciado pela guerra: a ameaça de falta de potássio, fertilizante amplamente usado na agricultura, em decorrência da redução do fornecimento pela Rússia; a defesa da exploração de terras indígenas para a extração do insumo; e a visita de Bolsonaro à Rússia como prova de suas ações para proteger o agronegócio e a soberania da Amazônia.

Nesse cenário, em março do ano passado, o vídeo do canal de junk news Folha da Política reproduziu o pronunciamento do então presidente Bolsonaro durante o lançamento do Plano Nacional de Fertilizante. O material destaca que a guerra “expôs um problema que Bolsonaro e a bancada ruralista já falavam há muitos anos”, reforçando-o como “presidente visionário”.

No mesmo período, o influencer Kim Paim desqualificou notícias e artigos científicos contra o Projeto de Lei 191/2020. Assinado pelos ex-ministros Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Junior e Sergio Moro, o PL 191 foi duramente criticado por organizações indígenas e da sociedade civil por propor a autorização da exploração mineral, hidrelétrica e de petróleo em terras indígenas.

Mais recentemente, no período das eleições presidenciais, a ampla divulgação de estatísticas distorcidas sobre o desmatamento da Amazônia e a propaganda “positiva” sobre a atuação do agronegócio brasileiro foram predominantes entre as temáticas socioambientais. 

De acordo com a pesquisa, o Movimento Sem-Terra (MST) também apareceu com destaque nos debates sobre a disputa eleitoral nas plataformas, com a ampla circulação de conteúdos desinformativos e de ataques ao movimento para atingir a candidatura de Lula.

As análises do Infodemia Socioambiental foram realizadas no período de janeiro de 2021 e novembro de 2022 e envolveram Whatsapp, Telegram, Youtube, Twitter, Facebook, Instagram e TikTok.  Em geral, a pesquisa buscou identificar as narrativas, os padrões de conteúdo, as estratégias de disseminação e a instrumentalização das plataformas digitais para propagar desinformação.  O estudo sobre o ecossistema de informação na Amazônia Legal utilizou dados provenientes de sites de veículos de notícia da região

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