Em reduto bolsonarista, Lula reúne multidão durante entrega do Minha Casa Minha Vida

Texto e fotos: Ahmad Jarrah e Bruna Obadowski

Debaixo de um calor úmido, típico do período chuvoso do cerrado brasileiro, milhares de pessoas se aglomeram disputando o melhor lugar para ver a chegada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A visita presidencial em Rondonópolis (MT), na manhã de sexta (03), materializa o sonho da casa própria para 1.440 famílias beneficiadas pelo programa “Minha Casa, Minha Vida”. A obra do residencial Celina Bezerra, iniciou em 2012, durante o governo Dilma Rousseff.

Após uma vida inteira, a espera pela casa própria terminou para Celina Alves da Silva, 59 anos. Ao lado do presidente, Celina pisou pela primeira vez em seu apartamento. Segundo ela, “é como se fosse ganhar a mega sena!”. Ela, que trabalhou na roça até os 14 anos, compartilhando uma vida humilde com seus 19 irmãos, nunca teve oportunidade de estudar, o que lhe tirou muitas oportunidades. 

Celina Alves da Silva, 59 anos, beneficiada pelo programa Minha Casa mInha Vida aguarda para receber as chaves das mãos do presidente Lula.

Dona Celina, que carrega o mesmo nome do residencial, ressalta sua espiritualidade e diz que já havia previsto seu encontro com Lula, do qual é admiradora. Emocionada, conta que, mais do que o sonho da casa própria, ter endereço fixo em seu nome lhe traz dignidade e esperança por um futuro melhor, “agora vou atrás de um carrinho” são as palavras que fluem como um suspiro de sua boca.

Tamanha é sua vontade de habitar o novo lar que já se apressou fazendo as malas e empacotando as coisas para a mudança. “Só não vou levar os móveis porque Lula vai entregar meu apartamento todo mobiliado”, exalta com felicidade. 

A mesma sensação de realização é partilhada por Robson de Paula Sousa, 46 anos.  Nascido em Rondonópolis, ele fez a inscrição no programa Minha Casa Minha Vida em 2011, e desde então espera pela chave de sua casa própria. “Já são mais de dez anos de espera”, relata. Durante esse tempo, Robson sofreu um acidente que afetou sua coluna e hoje está cadeirante. 

CERIMÔNIA

O lançamento do residencial  Celina Bezerra, em Rondonópolis, marca a retomada do programa Minha Casa Minha Vida em todo o país. A obra é a primeira a ser entregue no terceiro mandato do presidente Lula, um dos idealizadores e principais responsáveis pela criação do programa habitacional em 2009. A cerimônia, marcada pela grande presença de apoiadores do presidente, reuniu ministros e autoridades para a entrega das chaves para quatro famílias que simbolizam as 5.760 pessoas que irão morar no conjunto habitacional.

Durante seu discurso, Lula destacou a importância do programa “Minha Casa, Minha Vida” na redução do déficit habitacional, falou da fome no estado de Mato Grosso, celeiro do agronegócio, e da violência.  Ele também fez críticas ao Governo Bolsonaro e atrelou a estagnação no país ao golpe sofrido por Dilma Rousseff.

Esse conjunto começou há dez anos atrás. Esse conjunto já era para ter acabado. Vocês se lembram do golpe que deram à presidenta Dilma para tirá-la do governo. Vocês se lembram que inventaram uma coisa chamada ponte para o futuro. Era preciso tirar Dilma para esse país voltar a crescer, e eu vou dizer o que aconteceu nesse país: esse conjunto que era para ter sido inaugurado em 2014, está sendo inaugurado em 2023, exatamente pelo presidente do PT. Exatamente por quem começou a construir essa obra.

Presidente Lula

Durante a inauguração, o presidente Lula anunciou a ordem de serviço para mais dois conjuntos habitacionais em Rondonópolis. Segundo ele, mais dois milhões de casas estão sendo contratadas pelo governo federal como parte do programa Minha Casa Minha Vida. Lula também defendeu a criação de programa habitacional para pessoas ganham até 6 mil reais.

Cerimônia de entrega do Residencial Celina Bezerra, em Rondonópolis (MT).

Uma muda de Ipê amarelo foi plantada por Lula durante a cerimônia. Considerada símbolo do Brasil a partir de um decreto do presidente Jânio Quadros, em 1961, a espécie está presente em todas as regiões do país.

ÓDIO E FOME EM MATO GROSSO

Durante o discurso, aclamado pelos apoiadores que lotaram a estrutura preparada para o evento, Lula citou a violência e a fome em Mato Grosso. 

Foi aqui nesse estado, um dos maiores criadores de gado do país, um dos maiores produtores de grãos desse país, que aparece uma mulher na porta de um açougue recebendo o osso pra fazer um sopa dentro de casa. 

Presidente Lula

O presidente se refere à fila do ossinho em Cuiabá, onde famílias em situação de extrema pobreza se reúnem para ganhar pequenas sacolinhas de ossos bovinos a fim de complementar a alimentação, episódio que ficou amplamente conhecido em todo o Brasil em 2021, durante a pandemia. Na ocasião, A Lente acompanhou o drama das famílias que frequentam a fila.

Um contraste evidenciado na fala de Lula, para se referir ao estado maior produtor de grãos do país e ao significativo número de pessoas vivendo em situação de insegurança alimentar. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Mato Grosso  é atualmente o maior produtor nacional de grãos, com participação de 30,8% da safra, enquanto  a insegurança alimentar atinge 63% das famílias do estado, segundo dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (PENSSAN).

Além da fome, o combate à violência também marcou o discurso presidencial. Segundo Lula, o Brasil  deixou de ser o país da alegria, verdade, do crescimento e da distribuição de renda, para ser o país da mentira, do ódio e da provocação.  “Vocês viram o que aconteceu aqui na cidade de Sinop”, disse citando o episódio recente em Sinop (MT), onde dois homens cometeram uma chacina após uma partida de sinuca. “Esse cidadão perdeu uma partida e resolveu matar sete pessoas” disse. 

Durante o evento, o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM), também fez  discurso. Vaiado por apoiadores de Lula, Mendes disse defender a democracia e governar  para todos. Mauro Mendes foi um dos apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante as eleições de 2022. Na ocasião, Bolsonaro teve 65,08% dos votos no estado no segundo turno das eleições.

MULTIDÃO

Além das 1440 famílias que foram beneficiadas pela entrega dos apartamentos no residencial Celina Bezerra, milhares de apoiadores do presidente Lula foram até o residencial para prestigiar a visita, empunhando bandeiras e cartazes que dividiram embalo com leques improvisados para amenizar  o calor.

Dentre a multidão estavam famílias indígenas Bororo e Xavante, quilombolas, assentados, militantes do MST e de movimentos sociais, servidores públicos e beneficiários anteriores do programa Minha Casa Minha Vida.

Apoiadores lotam o evento de entrega do residencial Celina Bezerra, em Rondonópolis (MT).
Apoiadores lotam o evento de entrega do residencial Celina Bezerra, em Rondonópolis (MT).

O jovem Merire Prado, 22 anos, é um deles. Se juntou à multidão à espera de Lula, após viajar com uma comitiva formada por dois ônibus para ver o presidente. Segundo ele, que mora na Terra Indigena Merure (MT), a ida a Rondonópolis foi para evidenciar a defesa da cultura e resistência indígena. Para o jovem, Lula representa os cuidados aos povos originários do Brasil. “Significa uma mãe que cuida dos seus filhos” relata.

Merire Prado, 22 anos. Indígena acompanha cerimonia em Rondonópolis (MT).

Laudemia Rodrigues, 59 anos, moradora da comunidade Bajara, localizada às margens da MT-270, também se juntou à multidão para ver o presidente Lula. “Olha as pessoas que estão aqui, são pessoas de baixa renda, pessoas que necessitavam dele estar aqui. Quantos anos tem que ninguém recebe minha casa minha vida?”, comenta. Para outro participante, Juvenal Paiva da Silva, 59 anos, o evento é uma grande confraternização. “Quando você tem um teto para morar, você cresce”. 

PROTESTO

Enquanto milhares de pessoas comemoram a visita de Lula pela primeira vez em Mato Grosso após as eleições, um pequeno grupo de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro se concentrou em frente ao Parque de Exposições da cidade, onde promoveram adesivagem de carros. Usando verde e amarelo, os manifestantes ergueram faixas contra o governo Lula. Eles alegam que o conjunto teria sido finalizado na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). 

Um dos apoiadores do ex-presidente, o deputado federal Abílio Júnior (PL),  também esteve no Residencial Celina Bezerra, onde gravou vídeo criticando as condições em que foi entregue o condominio. Outros vídeos que circulam nas redes sociais mostraram o político saindo escoltado pelos seguranças após tumultuar o evento.

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