Texto: Ahmad Jarrah
Fotos: Ahmad Jarrah e José Medeiros
A sobrevivência de tradições seculares é inerente à transmissão de seus ritos ao longo das gerações, é um dos vetores da cultura, do sentimento de pertencimento e também da diferenciação, aquilo que nos torna iguais entre si e diferentes dos outros. É certo que durante a história da humanidade, alguns países conseguiram massificar suas tradições, mas aquela iniciativa de dominação cultural tomaria outros contornos, na medida em que uma cultura só pode dizimar a outra fisicamente, e que no campo simbólico, cognitivo, elas se misturam. E é exatamente esta a riqueza da cultura brasileira, misturar diferentes tradições em um híbrido e potente caldo cultural.
Não foi diferente com a tradição da Dança dos Mascarados, na cidade de Poconé, Mato Grosso. Se trata de uma manifestação cultural única em seus ritos e símbolos, fruto do encontro das tradições europeias de contradança com as danças indígenas, embaladas por um ritmo africano. É apresentada especialmente em homenagem a São Benedito. Não há catalogada em nenhuma fonte a sua origem, porém registros de seu início datam de 1915, se tornando uma das tradições mais antigas ainda em atividade no estado.
Poconé é berço de muitas tradições da cultura mato-grossense, e isso se deve pela capacidade de transmissão dos ritos através das gerações. Acompanhamos uma apresentação da dança dos mascarados realizada apenas por crianças e adolescentes na praça principal da cidade, e que foi um deleite para as nossas lentes.
De geração para geração
Estávamos de passagem por Poconé quando decidimos visitar o centro cultural da cidade. Lá chegando, percebemos uma movimentação que tomava conta do local, um entra-e-sai de crianças por uma clássica porta de madeira. A típica casa pantaneira, frente estreita e corredor extenso cortando diversas saletas, decoradas com um piso vintage que a tornavam tão agradável e atemporal.
As crianças terminavam de ajeitar suas fantasias e tão logo saquei a câmera para registrar esses bastidores, fui avisado de que não poderia fotografar os rostos das crianças mascaradas, “mau agouro”, disseram. Claro que não demorou para elas vestirem suas máscaras e se enfileirarem pelos corredores e portas a casa de cultura antes de ganharem as ruas da cidade.
O coordenador do grupo de dançarinos, João, conta entusiasmado e orgulhoso de ver o grupo de jovens dando continuidade à tradição. Isso é fruto da visibilidade que as culturas populares conquistaram nos últimos anos, tanto pela visibilidade proporcionada pelos grandes espetáculos e festivais, como pelo fortalecimento de políticas culturais para as populações tradicionais.
O crescimento das cidades e as migrações rurais levavam os jovens a se distanciarem das tradições de origem, me contam, o que levavam os jovens a terem vergonha de assumirem seus ritos e costumes, tidos (preconceituosamente) na cidade como uma coisa caipira, atrasada. Esse afastamento só começou a ser rompido a partir das políticas públicas voltadas às culturas populares e especialmente aos casos de sucesso de grandes negócios culturais, como o Carnaval, Parintins, entre tantos outros.
A cultura popular passou a ser revista em toda a sua riqueza e diversidade, a ser respeitada como patrimônio imaterial fundamental para o crescimento social, e como fonte de renda que move grandes economias pelo Brasil a fora. Isso levava os jovens ao reencontro com suas tradições de origem sob outra perspectiva, mais motivadora, uma vez que se quisessem, poderiam até almejar sobreviver disso, além de estarem se apresentando como artistas, mirados pelas lentes, pelas selfies, pelo público. As motivações digitais levando adiante as tradições orais.
Como se dança?
A dança é composta apenas por homens, formada por oito à vinte e quatro pares, que se vestem de damas e galãs com roupas de chitão em cores vibrantes e se ocultam em uma máscara de arame emoldurada em madeira e coberta por tinta. A dança tem movimentos rápidos com um intenso jogo de cores dos dançarinos de um lado a outro, girando os pés, rodopiando os vestidos ao som de uma banda com metais e percussão ao estilo das antigas bandas de coreto.