O trabalho fotográfico “OLHOS do PAMPA” é um documento à posteridade que revela, mediante imagens captadas com a limpidez que somente o preto e o branco proporcionam, os legítimos herdeiros do pampa. O foco está direcionado, não por acaso, nos gaúchos e nos seus ofícios em extinção, nas mulheres de ancestral valentia, nas suas crianças e também nos animais – no cavalo que é o pingo de lei, no cachorro tratado por cusco – e em todos os elementos que compõem esta geografia única no planeta.
O mundo pampiano retratado não está visível. É necessário procurá-lo, e urgente, antes que seja varrido do mapa. Foi o que fez o fotógrafo Tadeu Vilani: meteu o pé na estrada e incursionou pelos fundões dos campos do Rio Grande do Sul, lá onde canta a seriema, percorrendo a fronteira com o Uruguai e a Argentina, a mítica região em que se entreveram gaúchos brasileiros e gaúchos castelhanos.
Nesses rincões esquecidos, ao partilhar o cotidiano de lidas campeiras e se misturar às pessoas, Tadeu pôde registrar um tipo humano que só tem paralelo em outros povos cavaleiros – como os mongóis da Ásia, os cossacos da Rússia e os cowboys da América do Norte. Todos estão em transformação, é óbvio. A roda do tempo não pára de girar. Gaúchos vão incorporando comodidades às suas existências, e isso é saudável. No entanto, a essência se mantém: são os donos das vastidões ásperas e solitárias, onde é preciso suar para ganhar o pão.
Se for imaginado como a pátria dos caudilhos que abalavam governos e o palco das cruentas revoluções a cavalo, o pampa só existirá nos ecos do passado. Em constante evolução, hoje abriga lavouras de soja, silos de arroz, pomares de laranja, parreirais de vinícolas e maciças plantações de eucaliptos, os quais passaram a dividir espaço com as tradicionais estâncias de gado. O que restou de épico, agora, é a resistência de tropeiros, domadores, esquiladores, carreteiros, alambradores, benzedeiras, peões e chinocas (o sentido, aqui, é o da prenda da família). E são eles e elas os personagens deste livro. Fotógrafos veem o que nós, gente normal, não percebe. Capturam detalhes, mágicos contrastes de luz e sombra, documentam a história real por meio de imagens. Pois o Tadeu Vilani nos oferece múltiplos olhares: do antropológico que redescobre traços culturais ao do jornalista que optou por contar a história dos excluídos. Com seriedade e respeito, como convém a quem cumpre uma missão.
A você que está lendo, fica um convite agradecido. Preste atenção nas fotografias de “Olhos do Pampa”. Sem pressa, na calma de quem sorve um chimarrão de erva-mate das boas. Elas mostram profissões que estão na gênese do Rio Grande do Sul e, infelizmente, tendem a desaparecer. Uma das mais emblemáticas é a do gaudério que atravessa planícies e coxilhas em rústicas carretas, de pesadas rodas de madeira, tracionadas por bois de imensos chifres, os quais são descendentes do gado franqueiro introduzido há cinco séculos pelos pioneiros portugueses – também ele um rejeitado, pois foi substituído nas invernadas por raças britânicas que rendem mais carne.
As fotos são testemunhos de vidas – assim mesmo, no plural, tal a diversidade encontrada. Continue folheando as páginas, veja os rostos endurecidos pelo vento Minuano, as mãos de veias saltadas, a mirada serena de quem contempla a vertiginosa horizontalidade do pampa. Atente para os trabalhos campeiros: a obsoleta tosa a martelo, o tosquiador e o carneiro enlaçados numa mistura de braços e patas, a tesoura de movimentos ritmados a despir do bicho a lã que dá o sustento e o agasalho.
Repare bem, as imagens exalam cheiros. De cavalo suado após o galope. Da terra molhada pela chuva. Da picumã dos galpões iluminados por lamparinas a querosene. Do sebo de ovelha que lustra as botas esfoladas pelo uso. Do fumo em corda, picado com esmero, que se evola dos cigarros de palha. E sabores: da graxa da costela assada que pinga nas brasas. As fotos também emitem sons, deixe-se levar pela imaginação. Nos latidos dos cães ovelheiros que conduzem rebanhos, na sinfonia laboral que une humanos e animais. No alarido da piazada em suas brincadeiras. Na milonga da gaita cujos foles se abrem em relembranças diante do ranchinho, no sossego dos finais de tarde.
Este é o legado de “Olhos do Pampa”. Traz o gaúcho genuíno na sua derradeira querência, ou no que restou dela… É lá que a estrela-d’alva – a bússola noturna chamada de boieira pelos tropeiros – brilha mais intensamente.
Tadeu Vilani, 55 anos, natural da cidade de Santo Ângelo, interior do estado do Rio Grande do Sul, trabalha no jornal Zero Hora de Porto Alegre, Brasil, desde o ano de 1996.
Suas principais influências são provenientes do neo realismo italino, principalmente dos diretores Vittorio de Sica, Luchino Visconti, entre outros.
Desenvolve trabalhos documentais principalmente na região sul da América do Sul, documentando a formação étnica e transformações sociais. Participa da 15ª edição da Coleção Pirelli/Masp, de fotografia, de 2006, em São Paulo, uma das principais coleção de fotografia do Brasil que pertence ao Museu de Arte de São Paulo ( MASP).
Ganhador do principal prêmio de fotografia do Brasil, o prêmio da Conrado Wessel, organizado pela Fundação Conrado Wessel, de São Paulo, em 2010, e finalista do mesmo prêmio nas edições 2009 e 2011. Finalista por duas vezes do prêmio Esso, em 2006 e 2009, o principal prêmio de jornalismo de do Brasil. No ano de 2016, foi indicado pelo prêmio Comunique-se na categoria REPÓRTER DE IMAGEM, entre os 10 principais profissionais da área no Brasil.
Ganhou o prêmio Leica – Fotografe Melhor, na categoria Preto e Branco, nos anos de 2010,2011 e 2012. Nos anos 2016/2017 e 2018 foi primeiro lugar Concurso LatinoAmericano de Fotografia Documental “Os Trabalhos e os Dias¨ em Medellín/Colômbia, organizado pela “La Escuela Nacional Sindical-Colombia”.