Texto: Thiago Andrade
Fotos: José Medeiros
Falar em guerra no Brasil parece um pouco distante, mas o país já participou ativamente de diversos combates internacionais, inclusive da Segunda Guerra Mundial. Tropas de Mato Grosso integraram o contingente de 25 mil homens brasileiros que lutaram no confronto ao lado do grupo Aliados (composto por Estados Unidos, Inglaterra, França, União Soviética e outros), contra o grupo do Eixo (Alemanha, Japão e Itália).
Um dos pracinhas (como ficaram conhecidos os participantes da missão) foi o rosariense, Antonio Abdon da Silva, que servia ao Exército Brasileiro em Cuiabá. Primeiro, entrou de forma voluntária, passou cinco anos sem ser engajado na tropa. Ele conta que entrou para ser voluntário por seis meses. No fim do período, a incorporação voluntária foi extinta e um boletim do comando do Exército ordenou que todos os soldados das tropas deveriam permanecer prestando os serviços por mais dois anos.
Com isso, Antonio teve que permanecer na tropa. Pouco tempo depois, o Brasil entraria na Segunda Guerra Mundial. No entanto, Antonio não esperava participar. Ele conta que dias antes do chamamento havia tido um desentendimento com um sargento por conta da troca de guarda e levou a questão a um tenente superior.
O tenente, por sua vez, chamou o sargento que havia feito a escala erroneamente e mandou Abdon abandonar o serviço e o sargento fazer a denuncia do fato. Com receio de ficar preso, Antonio conta que não abandonou o posto e continuou trabalhando normalmente.
O fato chegou ao comandante da companhia que chamou o sargento e questionou a atitude de ter colocado Antonio Abdon na escala de forma seguida, sem dar o período de descanso necessário à recuperação. O fato fez o problema se tornar ainda mais grave a ponto de Antonio ser ameaçado pelo sargento. Novamente o fato foi levado aos superiores que buscaram intervir na questão.
Três dias depois da discussão, o Exército Brasileiro encaminhou boletim chamando, voluntariamente, soldados para participarem da missão. Por ser uma guerra muito perigosa, nenhum soldado ou cabo se manifestou voluntariamente, cabendo às indicações ao sargento, com quem Abdon havia discutido.
Para fugir da escolha do superior, o cabo Abdon saiu da formação e se apresentou como voluntário para ir lutar no confronto. “Me deu vontade de brigar, dai pensei: vou pra guerra! Porque eu me coloquei como voluntário, mais quatro cabos me seguiram, senão não teríamos voluntários de Mato Grosso, seriam escolhidos”, contou.
Antes de ir para o Rio de Janeiro preparar para o embarque, Abdon teve que detalhar toda sua vida ao comando, lembra bem de como foi a entrevista. “Disse que tive ‘tal’ doença, curado por curador, outra doença curado com raiz. Falei a doença que todo mundo da família teve”, disse.
Antes de seguir, uma nova surpresa, Abdon ficou ‘encostado’ e poderia não seguir para o confronto. Determinado, ele pediu aos superiores para resolver de forma urgente o caso. “Ou me levam logo ou me dão baixa, já tenho mais de dois anos servindo, sem ser engajado. Então, decidiram que eu iria mesmo”, relatou.
A viagem de ida durou 15 dias e a de volta durou 4 dias. Cabo Antonio Abdon participou das batalhas em Monte Castelo, Montese, Fornovo, Zocca, Collecchio, Soprassasso, Marano Su Parano, La Serra, Castelnuovo, Cama-iore, Monteprano e Barga.
Abdon diz que nos combate foi necessário agir com frieza e encarar a morte como algo normal. Na maioria do tempo ficavam em trincheiras, quase não dormiam e o risco de ser atingindo por bombas e tiros eram constantes. A comida também não era nada agradável. Ele lembra que recebia comida em pacotes levadas pelos americanos.
A cobra fumou
O símbolo dos combates brasileiros era uma cobra fumando. Segundo Abdon, a escolha do nome da equipe se deu porque um dos soldados, o menos instruído, segundo ele, sempre gritava que a “cobra iria fumar”, enquanto aguardavam a partida. Então, o dizer virou moda entre os combatentes e o general responsável pela tropa mandou confeccionar distintivos com a cobra fumando.
Velho combatente
Hoje, Antonio Abdon leva uma vida tranquila na sua cidade de nascimento, Rosário Oeste. Aos 94 anos de idade, Abdon é conhecido e respeitado na cidade. Sempre coloca o uniforme e usa seu distintivo de reconhecimento. Procura sempre visitar os amigos e passar parte do dia na porta de casa, como um bom mato-grossense.
Para preservar a memória, os documentos que comprovam sua participação nas batalhas estão todos guardados e as histórias são passadas para os filhos e netos.